Seis reais
O Goiás havia acabado de empatar com o Corinthians. Santos e Fluminense batiam pênaltis na Vila Belmiro. Mas isso pouco importava. E lá fui eu, namorado exemplar, deixar a Ludmilla em casa. Eram os últimos minutos do mês de agosto. Mês de cachorro louco, dizem.
Pois bem estava a moça entregue, dobrei a rua à esquerda. Mais uma à esquerda, atravessei uma rotatória, cruzei a Avenida República do Líbano nos dois sentidos. O bar que tradicionalmente transmite os jogos do Goiás já estava fechado, virei à esquerda, à direita, à equerda de novo, direita, esquerda, segui reto e adiante.
Um casal de bêbados - talvez sob efeito de álcool, ou movido pelos efeitos da paixão, cantava alto. Nem tive tempo de contemplar o concerto: percebi que uma moto me seguia. Via das dúvidas, pé no acelerador. Não adiantou. Virei na Avenida Anhanguera, entrei numa rua que não conhecia. E outra, outra, e mais uma.
Me livrei do potencial psicopata ao entrar em uma contramão. Soltei um suspiro de alívio. Breve como minha felicidade momentânea: uma viatura da Polícia Militar me aguardava pacientemente. Parei, desci do carro e logo veio à tona a boa educação de nossos policiais. Ensaiaram gritos, queriam me revistar, perguntaram se não estava armado.
Pensei na hora em dizer "Sim, há duas granadas isralenses no porta-malas. Guardei para enfiar na bunda de guardinha mal educado", mas em vez disso me contentei com uma ameaça velada. "Sei dos meus direitos. Sou jornalista e falo com o chefe de vocês todos os dias. Então façam o seu trabalho direito ou terei que fazer o meu".
Cessaram os abusos de autoridade. Pediram documentos, conferiram e começaram a ladainha. "Essa multa vai te custar 200 reais e sete pontos na carteira... vai ficar ruim pra você" disse um deles. Mas, ora bolas, eu estava errado. "Faça a multa, então. Semana que vem eu recebo e pago, sem problemas".
O guarda, esterotipado como se acabasse de sair de "Casseta e Planeta", insistiu. Queria propina, logo notei. "Cara, eu não tenho dinheiro aqui, e mesmo que o Banco estivesse aberto, não é correto fazer isso", expliquei para ele. Talvez a acadêmia de polícia não explique essas coisas. Mas nunca é tarde para aprender.
Ele insistiu que a multa daria muito trabalho. Eu insisti que não havia problemas. "Olha, eu não quero te dar essa multa", ele disse. Concordei: "Eu também não quero receber. Então você me libera e todo mundo fica feliz", propus. Mas o insistente voltou a retrucar. "Quando você tem aí?"
"Seis reais. Uma nota de R$ 2, quatro de R$ 1".
"Seis reais são três cervejas. Boa noite, até mais".
E ainda gastam 30 mil em deputados. Dá pra comprar 5 mil guardas, muito melhor: não pensam, seguem ordens e não votam contra.
Mas se vendem por muito pouco. Alguém aí tem sete reais?