quinta-feira, agosto 24, 2006

Idioteque

Tao longe daquele passado tao intenso, ela ainda nao sabia se o que sentia era a tao esperada e temida liberdade, um conforto agradável ou um comodismo odioso. Nao que nao estivesse feliz. Pensou muito antes de ter a certeza de que realmente gostava daquela vida nova que ela achou um dia ser tao pouca vida que nem chegava a ser vida. Aproximou-se do sono sem concluir muito sobre os detalhes do que sentia, mas sabendo que na pior das hipóteses fazia mais do que sobreviver e que havia alguma intensidade naquela paz interiorana que a circundava.

Pensava também que, no fundo, havia na cidadezinha para onde resolveram mandá-la para uma longa meditacao de olhos abertos algo mais que sobrevivencia e cliches. Passara a vida toda pensando que o mundo era simples. Havia ela, seus amigos e as poucas pessoas que ela admirava mesmo sem estar próxima. Fora dali, mediocridade. Mas aquele garoto... Havia por tras daquela falta de criaividade e humor uma vida interna intensa e uma melancolia densa, muito mais que a tristezinha banal de quem enxerga pouco. Aquele garoto era muito mais do que ele mesmo.

Mas de alguma forma a intensidade dele nao era como a dela. Sonhou com uma vasta planicie de esepelho, com uma grande cadeia de montanhas nevadas e pontiagudas no fundo. Andava muito, sem que a paisagem se alterasse ou que a montanha se aproximasse. Nao so enxergava como também sentia uma coisa só. Apenas uma vontade angustiante de encontrá-lo.

Acordou. Permanecia a angustia, agora por perceber que estava comecando a aceitar que havia vida fora do que ela definia como vida. Acreditou que estava se enganando, que procurava ser feliz com a vida que tinha, que estava se adaptando as possibilidades à mão. Isso nao poderia ser bom. Nao envelheceria o bastante para perceber que na verdade estava amdurecendo. Angustiou-se também por que a última vez em que um homem permanecera por tanto tempo intrigando-a, ela ultrapassou por muito o limite da sanidade.

A primeira das duas razoes da sua angustia teria sido desesperadora meses antes. Mas a segunda razao (ou o amadurecimento que ela nao teria chance de perceber) fez com que ela se preocupasse com outra coisa.

- Já ouviu Radiohead? – perguntou para ele, ja na escola.
- So uma musica.
- Toma, ouve esse disco. Acho q voce nao vai gostar.
- ... entao por que...
- Hahahaha, me diz o q vc acha depois.
- Voce nao ja disse q eu nao vou gostar.
- Quero saber qual é o seu jeito de nao gostar.

Ele sorriu pra ela, com um olhar ainda mais atraente que o olhar atento e curioso que ele sempre reservava para o que ela falava. Mas havia algo mais.

- O que vc quer me falar menino?
- Ah, nada...

Segurou o braco dele e tentou olhá-lo com a mesma sinceridade amistosa do olhar do garoto. Obviamente, conseguiu apenas dar a ele a sua própria persuasao quase desonesta.

- Fala...

Ele olhou para os lados, enrubesceu e as palavras saíram engasgadas no meio do sorriso sem graca.

- Voce... parece ser mt inteligente, pq... voce fala umas coisas q eu nunca pensei... e q eu nem li...
- Entao a gente devia conversar mais.
- É...
- Entao a gente combina assim: eu continuo falando coisas interessantes e vc fala o q pensa.
- ...
- Agora vai, tenta.
- ...
- Vc pensou, agora fala. A primeira coisa q vc pensar.
- .................................................................... Acho q vc vai se decepcionar comigo.
- Acho q eu vou me impressionar com vc.
- .......... Kid A é um nome interessante para um disco.
- Isso nao foi a primeira coisa q vc pensou.
- Po, calma, é difícil isso, eu sou timido.

Meses mais tarde ela saberia que ele no fim desta conversa ele estava tao nervoso que mal sentia as pernas. Ela nunca saberia que a primeira coisa que ele pensara fora “Essameninaeperfeitaeelataafimdemimlargadeseridiotaidiotaidiotaelaquersersosuaamigatalveznaoidiotaidiotaidi...”

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