quinta-feira, fevereiro 24, 2005

Itália

Deculpem-me os poucos amigos que às vezes lêem esse blog. Dessa vez o que vou escrever não é legal, não é uma boa idéia, não é nada espirituoso. Conto com a compreensão de que este espaço não foi reservado para ser agradável. É apenas o canto da sala, para onde a gente vai quando quer ficar sozinho na multidão. Tem o propósito de ser um caderno de anotações, de escrever sobre as coisas que invadem o meu dia. O que me traz aqui dessa vez não é nenhum pensamento. É medo.

Tenho medo de não cumprir uma promessa que fiz ao meu avô: leva-lo para conhecer a Itália. Já tinha até riscado o dedo sobre o mapa imaginando qual seriam nossos caminhos. Iríamos passar pelo norte, de onde os nossos saíram faz muito, encontrar pegadas por lá seria nosso objetivo principal. Procuraríamos registros em alguma igreja velha entre livros empoeirados e um padre gordo meio surdo. Andaríamos ao entardecer pelo porto.

Ele se sentiria incomodado de entrar em um ambiente mais sofisticado e, por isso, acabaríamos na primeira budega que víssemos pela frente. Tomaríamos um vinho acompanhado de sopa e um pão duro qualquer. Eu demonstraria os meus conhecimentos recentemente adquiridos sobre a história, a arte e a política italiana, ele fingiria interesse. Tomaríamos um café e ele reclamaria, o feito em casa é melhor. Falaria da fruta que plantou no sítio, lá em cima do pasto, logo do lado do não-sei-o-que... Ele certamente veria algum pedaço de arame no chão, ou qualquer outro bagulho, e logo recolheria já pensando no que fazer com aquilo.

Depois nos perguntaríamos, em silêncio, se nos sentíamos em casa. Provavelmente a resposta seria não, preferiríamos o calor abrasivo. Ele não deixaria de não ouvir a verdadeira história sobre a nossa ascendência e contaria para as pessoas da rua a nossa origem imperial. Eu respeitaria, porque cada um tem o direito de escolher suas próprias ilusões.

Depois iríamos a Roma. Ele iria chorar, católico que é, ao ver o papa. Ficaria atento para ouvir o papa falar em português, mas não entenderia nem sequer uma palavra. Nessa altura ele novamente contaria as histórias da viagem, da chegada ao Brasil, de suas travessuras de infância, dos momentos difíceis e não deixaria de me lembrar do que é necessário para ser Cesário. O Vaticano tomaria para ele os ares do paraíso. Para mim ficariam a escultura, a pintura e a arquitetura...

Para mim ficaria a sensação de poder ter cumprido um sonho seu. Nós compraríamos um mapa da Itália mais bonito, que substituiria aquele outro que fica na garagem, ao lado da escada. Eu voltaria tranquilo, ele realizado.

Mas nada. Ainda não tenho grana para nem sequer me manter em pé sozinho e não sei se terei outra chance.

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