quarta-feira, novembro 17, 2004

Máquina 4

“Máquina 4, por favor”.

Foi esta a senha para uma mudança. Apenas uma de várias que tenho ensaiado nos últimos meses. Raspar o cabelo, sempre bagunçado e revolto, foi o primeiro passo.

O cabelo fala muito sobre uma pessoa. É responsável por 70% da aparência do rosto, dizem. Não duvido. Cortá-lo, muito mais do que uma atitude higiênica ou estética, é um ritual que se repete sem que precisemos perceber.

Devo, contudo, confessar uma coisa. Lembro-me de todos os dias nos quais cortei o cabelo neste ano. Estranho? Sim, estranho. Nem por isso consigo esquecê-los.

Primeiro corte do ano, 15 de janeiro – um dia antes de uma inesquecível viagem para São Paulo. Segundo, 20 de março – no dia de um encontro que não deu muito certo. A seguinte, dia 5 de julho: logo depois de um outro encontro que, desta vez, deu certo. Na outra, 8 de outubro – quando pela primeira vez fui a um salão em Brasília.

Todas, do mesmo jeito. O mesmo corte de sempre, as mesmas conversas de sempre. Mas hoje, não. Apenas uma frase, sem grandes delongas; sem “apara aqui, corta aqui...”. Uma frase seca e final: “máquina 4, por favor”.

Há quem dia que o resultado foi péssimo; outros gostaram. Mas o consenso é que ficou diferente. Já me basta. Se todos os dias as pessoas fizessem algo diferente, quem sabe o mundo não mudasse um pouco.

Ver os cabelos caindo ao chão causou-me uma sensação estranha. Uma nostalgia salutar. Como quando você muda de sua casa e, mesmo sabendo que vai para um lugar melhor, ainda sente saudades. Querendo ou não, é uma parte do seu corpo que vai embora; algumas histórias, talvez.

Mas a sensação mais estranha que tive não foi esta. Foi a de todos me perguntarem o “porquê” de ter “radicalizado”. Ora, e tenho que ter uma razão para tudo? As melhores coisas que fiz na vida não tiveram razão alguma.

Poderia inventar mil lorotas. Dizer que adotei o visual “Ronaldinho” para ver se aparece alguma Cicarelli na minha vida, ou falar que enquanto estiver sem cabelo as pessoas têm que olhar nos meus olhos enquanto conversam comigo.
Quem sabe simular uma doença, dizer que passei em um vestibular imaginário, que conquistei alguma coisa que só eu sei. Falar que perdi alguma aposta; ou que perdi várias. Ou quando me perguntarem se cortei o cabelo, afirmar que “tirei pra lavar, mas já já pego de volta”.

Afinal, de saco cheio de tantas perguntas e buscando uma justificativa, assumo: precisava de um tema para minha crônica. E minha vida estava parada demais.

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