segunda-feira, agosto 23, 2004

Insentível impensável

Nunca fui de ler poesia. Sempre achei um tanto inútil. Pq me parece um misto de estética com transmissão de idéias. Mas se vc tem a força visual da pintura e da fotografia e a capacidade de expressão da prosa, pra que poesia? Se vc quer expressar o q vc sente, pq não cria uma imagem ou explica tudo bonitinho em um texto. Poetas sempre me pareciam uma mistura de pintores frustrados com escritores incompetentes com pensadores preguiçosos. Isso até eu sair do segundo grau.

Na faculdade eu vi que o problema era meu, eu era preguiçoso e odiava ter q pensar pra entender poesia.

Nos últimos tempos eu percebi que o problema era na verdade a forma pela qual eu enxergava a poesia. Eu queria a poesia como a prosa. Algo para se entender e absorver intelectualmente as idéias contidas lá. Depois de ouvir, não entender e assim mesmo adorar muitas letras do Belle & Sebastian, vi que a minha relação com a poesia havia mudado sem que eu houvesse percebido. E que na verdade isso era (obviamente) conseqüência de mudanças mais profundas na minha forma de ver, ouvir, sentir, cheirar e até degustar as coisas, pq não?

A Marina Guedes e o Bilo sempre me enchiam pq eu sempre fiz questão de entender absolutamente tudo. Cada aspecto precisava ser compreendido. Nenhuma frase podia vir desprovida de significado. Tudo tinha que vir de algum lugar e levar a outro. Os mistérios eram males a serem combatidos.

Um pouco de maturidade e um namoro iluminador de um ano e meio me fizeram relativizar a importância da apreensão absoluta dos fatos e sentimentos. Em suma, passei a fazer algo que o Bilo sintetizou magistralmente (mesmo que não originalmente) em uma daquelas expressões publicitárias super carregadas de significados caso seu espírito esteja condicionado a retirar o que quiser de qualquer coisa. Passei a aceitar o mistério. Aceitar o mistério não é ignorar a compreensão. É só colocá-la em seu devido lugar. Perceber que muitas vezes mais se perde do que se ganha em tentar saber os porquês.

Aceitar o mistério é tornar mais tênue a linha entre o sentir e o pensar. Aceitando o mistério vc não se associa a um indiferentismo desumanizante. Ao aceitar o mistério vc continua ligado ao que te cerca, continua sendo tocado. Mas vc abre mão de saber porque daqulio para aceitar o que de alegria e dor algo pode te causar.

Ah, e eu tb tive que aceitar a dor como presente e inescapável pra ter condições de aceitar o mistério. Se se encara a dor como o inimigo a ser batido, aceitar o mistério é quase inconcebível. Aliás, era por isso que eu não entendia a Marina e o Bilo. “Que idiota dar mais uma brecha para a dor...!”. Hoje eu não acho mais que sofrer seja incompetência. É como respirar. E isso não é ruim. Nem bom. Só é. E isso não é indiferença. É só não superestimar a dor. É não odiá-la dolorosamente. Mas sentí-la (ou pensá-la) (ou os dois).

Recomendo. Aceitem o mistério. O Bilo também recomenda. Aceitem o Mistério. A poesia vai ficar mais bonita. Afinal a poesia continua híbrida. Mas aí vc fica híbrido também. Sentir e pensar vão se confundir. E aí a poesia vai ficar mais bonita.

Ah é, a poesia. Então. Me peguei lendo os 100 melhores poemas do século ontem. Gostei de alguns. Vou ler o resto. Aceitando o mistério. Aceitando que eu não vou entender todos. Igual eu não entendo as músicas do B&S. Igual eu não me entendo muito mais do que este post grande, chato e pretensioso dá a entender.

Aceitem o mistério. Mas só às vezes. Às vezes é bom entender tudo. Mas vou falar sobre isso em outro post.

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